O muro é um dos principais problemas de nossas cidades. Materialização divisionista por excelência, tira o sentido da convivência nas ruas e transforma o caminhar por nossas calçadas em uma experiência vazia, monótona e insegura. Os “olhos na rua” são essenciais para a vida urbana, especialmente em uma sociedade violenta como a brasileira.
Por que nossas cidades têm tantos muros? Usualmente se culpa o setor imobiliário, eterno vilão para os que costumam confundir causa e consequência. Mas, na verdade, casas já antigas também se valem deles.
E ainda que seja questionável a real efetividade dos muros, deveria ser previsível que com tantos assaltos, arrastões e cracolândias os imóveis por aqui fossem murados em busca de alguma sensação de segurança.
Entretanto, cidades violentas de outros países, como Bogotá ou a Nova York dos anos 1980, não apelaram aos muros. Mesmo no Rio de Janeiro, bairros como Copacabana e Flamengo tampouco sofrem desse mal. E a explicação para isto tem origem em um dogma do urbanismo tupiniquim nas últimas décadas: o recuo obrigatório.
Repare que regiões mais antigas, como os centros das grandes cidades brasileiras, não são cheias de muros. Bem como em Buenos Aires ou nas cidades europeias, as construções geralmente são coladas umas nas outras, no alinhamento da calçada, com portas e janelas já voltadas para a rua.
Ou seja, a própria construção cumpre a função de muro, só que com relação direta com o espaço público.
Mas a partir de meados do século 20, com a hegemonia no Brasil do urbanismo modernista (que sempre concebeu a cidade para os automóveis), prefeituras passaram a obrigar que as construções fossem separadas da rua e entre si, ocupando só um pedaço no meio do terreno. Essa imposição tinha motivação ambiental, com base em conceitos ultrapassados que entendiam que uma maior insolação e ventilação eram essenciais do ponto de vista sanitário.
Hoje, com exceção de áreas construídas antes dessa legislação, ou informais, praticamente toda cidade brasileira se baseia nesses recuos que aumentam distâncias e a mancha urbana, desconsideram o pedestre e a escala humana, e criam espaços que muita gente entende que precisam ser fechados por muros.
O recuo obrigatório também mata a diversidade arquitetônica (projetos como os paulistanos Copan, Conjunto Nacional e Galeria do Rock não poderiam ser construídos hoje), diminuindo a autonomia projetual de arquitetos que estudaram anos para saber a melhor forma de aproveitar um lote específico.
Até mesmo a busca por densidade, atualmente desejada pelas Prefeituras, pode ser atrapalhada por recuos que, combinados com limitações de altura, impedem que se construa o máximo previsto para um terreno.
É bom esclarecer que este artigo não é contra o uso de recuos. Bens como o maravilhoso Palácio Gustavo Capanema e o Brascan Century Plaza, em São Paulo, têm os recuos como parte essencial de seu sucesso. Mas que sejam utilizados por decisão do arquiteto e do incorporador, por entenderem que é assim que poderão aproveitar da melhor maneira possível aquele terreno para o empreendimento e a cidade, ou previstos somente para locais específicos.
Já é tempo de pôr fim a esta exigência sem sentido para a maior parte das áreas urbanas. Em meio a estímulos para “fachada ativa” e conscientização em busca de uma cidade mais voltada ao pedestre, é irônico que justamente uma sociedade que sofre com os muros e os reconhece como nocivos, mantenha uma legislação que dá incentivo a sua proliferação.
Via Caos Planejado.